O que a ginástica artística pode ensinar aos Contratualistas

Quarta, 31 de julho de 2024

O que a ginástica artística pode ensinar aos Contratualistas

 

O QUE A GINÁSTICA ARTÍSTICA PODE ENSINAR AOS CONTRATUALISTAS

 

Pablo Galvão Marano

 

 

            Antes que adentre neste texto, preciso fazer uma confissão. Sou um apaixonado por Olimpíadas e Copas do Mundo. Portanto, qualquer fato relacionado a um desses eventos é, para mim, um ponto de partida para um debate.

          Acompanhei, com entusiasmo, a disputa de ginástica artística feminina, na competição por equipes, que, ao fim, rendeu ao selecionado brasileiro a inédita medalha de bronze. Assisti a disputa desde a etapa classificatória e, portanto, pude acompanhar etapas com e sem a participação do Brasil.

         Notável como meu comportamento é radicalmente distinto, quando o Brasil está na disputa daquele exibido quando nossas representantes não estão presentes. Tenho para mim que, em qualquer modalidade esportiva, o brasileiro gosta sempre de torcer por um dos lados em disputa, e, portanto, se o Brasil não está participando, logo escolhemos um competidor para dedicar nossa torcida e definimos, no mesmo ato, nossos “novos” rivais.

            Não é curioso como a ginástica artística, talvez por unir arte ao esporte, praticamente interdita esse tipo de comportamento, tão comum em outras modalidades? Na ginástica, quando nos damos conta, torcemos pelos atletas indistintamente e lamentamos quando algum desequilíbrio, pequeno ou grande, acontece.

       Mesmo quando são as ginastas brasileiras competindo por uma medalha olímpica, é impossível torcer por um tropeço ou desequilíbrio das adversárias. No limite, torcemos para que não se apresentem tão belamente quanto nossas ginastas. Neste esporte, há uma cordialidade sincera até mesmo entre as atletas, comportamento não tão recorrente em outras certas modalidades esportivas.

           Esta reflexão “olímpica” me levou a pensar sobre as articulações dos poderes negociais na estruturação de um negócio jurídico e a atuação do advogado contratualista. Assim como ocorre quando se acompanha a ginástica artística nas Olimpíadas, o advogado contratualista pode se ver envolvido na estruturação de um negócio sem estar representando os interesses individuais de uma das partes, ou seja, em uma atuação imparcial, em que sua atividade se dirija para o atendimento dos interesses comuns de todos os contratantes. Ou pode ocorrer o oposto.

         Neste caso, quando o contratualista atua de forma parcial, defendendo interesses de apenas um dos contratantes, surge uma outra questão, que também se imbrica à modalidade olímpica abordada: o comportamento esperável do especialista em contratos, quando atua de forma parcial. Entra em cena o debate sobre os limites e quais as melhores técnicas para não que não seja violada a ordem jurídica e/ou normas éticas e morais.

           O que se pretende demonstrar é que, assim como nos ensina a ginástica artística, é possível defendermos nossos interesses (ou dos clientes), ganhando as “medalhas dos sonhos” (com ou sem aspas), sem pisotear valores basilares das ordens jurídica e moral.

           Uma atuação técnica de contratualistas, engajados da perspectiva acima descrita, permite a produção de um belo contrato (para quem aprecia esta arte!), que atenda aos interesses individuais das partes, mas também os interesses comuns, contribuindo para um ambiente empresarial e jurídico saudável e eficiente.

         Tal noção nos conduz a sugerir alguns parâmetros para a atuação do contratualista, na situação em que defende interesse de apenas um dos polos contratuais. Para fins desta abordagem, destacamos 3 valores principais, para nortear a atuação do advogado contratualista em tais hipóteses: (i) respeito ao equilíbrio do contrato; (ii) respeito à ordem jurídica (invalidades não beneficiam a ninguém); e (iii) respeito ao próximo. Abordemos, sinteticamente, cada um destes.

           Em relação ao equilíbrio do contrato, é importante que se demarque, em linhas nítidas, as fronteiras que separam a habilidade negocial da obtenção de vantagens negociais que rompem com o equilíbrio econômico do contrato. É que os poderes negociais das partes raramente são equivalentes, havendo, com grande frequência, um dos lados com poderes elastecidos. Daí decorre a importância da compreensão que, ser um contratualista habilidoso, que utiliza institutos jurídicos adequados para proteger os interesses do cliente é uma virtude que não se deve confundir com a imposição de elementos contratuais injustos, tendentes a alvejar o equilíbrio do pacto negocial (por exemplo, é o caso de cláusulas que limitam o dever de indenizar de uma das partes de maneira desarrazoada e com a finalidade de esvaziar a tutela da responsabilidade civil). Contratos devem, antes de tudo, ser justos. Contrato é jogo de “ganha-ganha”.

            Na mesma trilha e se imbricando no respeito ao equilíbrio do contrato temos o respeito à ordem jurídica. O contratualista deve estar atento à tutela jurídica conferida ao negócio jurídico, sempre atento aos limites à autonomia negocial e à roupagem conferida pelos princípios e valores do nosso ordenamento jurídico. Não é raro que se encontrem cláusulas que pretendem, literalmente, ir de encontro aos efeitos de princípios gerais ou setoriais, além de entendimentos já consolidados, em uma tentativa de fazer prevalecer a vontade das partes sobre as posições pacificadas na experiência jurídica brasileira. É exemplificativa a disposição (usualmente incluída em “disposições finais” do contrato) que estabelece que comportamentos reiterados de inércia não terão o efeito de suprimir o direito não exercido. Esta cláusula (encontrada em uma constrangedora quantidade de instrumentos contratuais) contém um comando que colide, frontalmente, com o pacífico entendimento sobre uma das funções da boa-fé objetiva (designada supressio).

        Por fim, quanto ao respeito ao próximo, é fundamental superar-se a noção de que ser um bom contratualista é ostentar habilidades maliciosas ou de se aproveitar de oportunidades para a obtenção de vantagens injustas. O respeito ao próximo (em sentido jurídico e moral) é devido à outra parte contratante e seu respectivo advogado. Aproveitar-se de erros humanos, de distrações do advogado do outro lado da mesa ou de oportunidades de inserção de elementos iníquos no contrato são condutas que, a toda evidência, não tornam o contratualista melhor. Ao contrário, esvazia a eticidade profissional e, ao fim, se massificado esse comportamento, desperta uma crise de eficiência dos contratos, que findam por ser objeto de litígios e disputas.

         Em conclusão, a ginástica artística pode nos demonstrar ser possível alcançar objetivos e metas, ser um bom profissional e elaborar contratos de excelência, sem desejar (ou contribuir para) a ruína ou o prejuízo da outra parte. Um contrato bem-feito não é aquele desequilibrado, que confere vantagens excessivas a uma das partes, em sacrifício da outra, ainda que em benefício de seu cliente. Um contrato bem estruturado é aquele que, com rigoroso apego à ordem jurídica, instrumentaliza adequadamente a maior quantidade possível de hipóteses e com soluções satisfatórias e justas para ambas as partes.  

             As mais valiosas medalhas da vida, independentemente do metal utilizado (ouro, prata ou bronze) são aquelas que resultam de uma atuação ética, quando respeitamos aqueles que estão do outro lado da “competição”. Nesse sentido, o contratualista pode aprender muito com as ginastas das Olimpíadas.

 

Pablo Galvão Marano é Fundador do CADP. Mestre em Direito Civil pela PUC-RIO. Pós-graduado em Direito Civil Constitucional pela UERJ. Especialista em Direito Societário e Mercado de Capitais pela FGV. Especialista em Mediação Empresarial pelo Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA. Mediador Extrajudicial. Bacharel em direito pela UFRJ. Ex-Professor de Direito Civil da UFRJ. Advogado com atuação em contratos e direito empresarial. Sócio do Marano Advogados Associados.

 

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